O
"Strip-tease" de Certas Opiniões
Por
FREITAS LOPES*
Jornal
Público, Domingo, 27 de Maio de 2001
O recente artigo do Director-Geral do Ambiente intitulado de "O ruído
de certas opiniões" é um tratado sobre a arte de tapar o
sol com a peneira, relativamente ao Regime Geral sobre Poluição
Sonora (RGPS). Em Portugal, a cornucópia dos fundos europeus criou
em quase todos os ministros e nas suas cortes de cinco mil boys o sentimento
de que um ministério sem distribuição de fundos e
sem regulamento de sua lavra não é ministério, é
uma chafarica.
Por isso o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU),
velho de meio século, é um cadáver que continua a
sobreviver à morte da ditadura porque nenhum Ministério lhe
mexe. Mas regulamentos sobre as caixas do correio, os fios, canos e tubos
das comunicações, águas e esgotos que ligam os edifícios
ao mundo, o conforto térmico das habitações, o consumo
de energia nos edifícios, a produção de ruídos
pelos equipamentos, máquinas e viaturas, as gritarias e algazarras
feitas por feirantes, discotecas, comícios partidários e
vitórias futebolísticas, etc. brotam como cogumelos das férteis
mentes dos novos legisladores ministeriais. Sem adequada coordenação
e integração. À margem do morto-vivo RGEU. Incoerentes
e incumpríveis.
Com ministérios em habitual autogestão, cada galo legislador
canta desafinado na capoeira das leis, numa cacofonia ruidosa, aplaudidos
pelos lobbies e lóbis de "especialistas" que neles passam a ter
farto maná sob a forma de obrigatoriedade de milhentos projectos,
suas alterações, fiscalizações e licenciamentos.
Um forrobodó.
É com este pecado natal que surge, há 14 anos, o Regulamento
Geral do Ruído (RGR). Os críticos de então desta forma
incompetente e abusiva de o Estado forçar portuguesas e portugueses
à felicidade acústica foram considerados velhos do Restelo.
E os portugueses, nesses 14 anos, deixaram o inferno do ruído que
lhes dava cabo da paciência e dos nervos e passaram a viver felizes
no paraíso do conforto acústico garantido pelo RGR em todas
as casa novas. Desde a bucólica e silenciosa aldeia, aos megadecibéis
que inundam as casas vizinhas das discotecas extásicas.
Mas eis que o Director-Geral de José Sócrates vem agora
fazer o striptease da verdade escondida sob o manto da infalibilidade dogmática
dos políticos-legisladores.
Diz agora (por onde terá ele andado durante os 14 anos?) o sábio
Director-Geral que "é do consenso geral que o regime anterior estava
desajustado da realidade, carecendo de revisão profunda". Só
erra numa coisa: não estava desajustado da realidade, sempre esteve.
Mais diz o Director-Geral: "nos quase 14 anos do anterior RGR, constatou-se
a ineficácia da previsão de critérios acústicos
para a implantação dos edifícios residenciais, escolas
e hospitais". Essa ineficácia é, porém, pecado de
origem, como nós próprios então denunciámos.
O Director-Geral prossegue o striptease: durante esses 14 anos, "os
critérios acústicos não foram integrados na disciplina
jurídica urbanística". Mas que fez o Ministério do
Ambiente, autor do Regulamento incumprido durante 14 anos e de outra legislação
incumprida sobre urbanismo?
Lê-se o barulho da opinião do Director-Geral de Sócrates
e pasma-se. Diz ele: "Os requisitos técnico-funcionais dos edifícios
previstos no RGR de 1987, sem um endereçamento claro de responsabilidades
e de competências, contribuíram para uma prática de
ausência genérica de fiscalização do ruído
no regime da edificação. É pacífico que se
trata de parâmetros de qualidade da construção." Quem
não fiscalizou o quê? Quem fez regulamento tão mau
que nem pode ser fiscalizado?
Durante estes 14 anos construíram-se em Portugal cerca de um
milhão de novos fogos. As Câmaras Municipais, emitiram as
respectivas licenças de utilização, certificando às
famílias que todas as normas e regulamentos aplicáveis (incluindo
o RGR) haviam sido cumpridos. Mas com a "ausência genérica
de fiscalização", que garantem afinal tais certificados municipais
de qualidade? Quantos consumidores dessas habitações foram
enganados na sua boa-fé?. Quem e como se verificou o que era gato
e o que era lebre?
Ao manter em vigor, durante 14 anos, regulamentos incumpridos e incumpríveis,
os Governantes ofenderam gravemente direitos fundamentais dos consumidores
e das empresas.
Contendo muitos dos erros metodológicos e substanciais do Regulamento
do Ruído de1987, tudo indica que o novo Regulamento que acaba de
entrar em vigor vai prosseguir no mesmo rumo. Daqui a 14 anos, um outro
Director-Geral dirá do RGPS o mesmo que este diz agora do anterior
regulamento. Mas mais vale tarde do que nunca.
*Presidente honorário da Union Européenne des Promoteurs
Constructeurs
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