Casa da Música: os desconcertos
Agostinho Ricca (Arquitecto)
MUITO tortuoso correu o processo do concurso da Casa da Música da Cidade do Porto.
Em 1999, a Sociedade Porto 2001 não fazia a mais pequena ideia
do que poderia ser ou como viria a ser concebido o edifício
para o auditório ou auditórios necessários à
efectivação de concertos de música de câmara
e de música sinfónica.
A ambição da Sociedade não passava da adaptação da pequena sala do Cinema Batalha e do Teatro Águia Douro.
Como me afirmaram personalidades destacadas, a Casa da Música
teria de ser construída no centro da cidade e, portanto, as
duas salas dos Cinemas na Praça da Batalha eram a localização
ideal!!!
Perante afirmações tão peremptórias resolvi
meter mãos à obra e fazer um projecto do Palácio da
Música com um programa
sem paralelo com o que poderia caber nas salas do Cinema Batalha e
Águia dOuro; dois auditórios, um de 1100 lugares, para
música sinfónica, e outro de 350, para música
de câmara, um café-concerto, biblioteca e audição
de CD, restaurante e bar,
dependências da administração, salas de ensaios,
etc. etc., localizado no Parque da Cidade, com o enquadramento da
exuberante arborização e dos lagos daquele parque: enfim,
o Palácio da Música que a cidade necessita, um lugar poético
como
são as envolventes dos modernos Palácios da Música
de muitos dos países da Europa Helsínquia, Tampere, Micaeli,
St.
Gallen, Salford, etc.
Como este projecto foi apresentado na TV e nos diários do Porto,
a Sociedade 2001 então acordou e resolveu promover um
concurso entre arquitectos com pré-qualificação
num terreno da Rotunda da Boavista (um dos locais mais ruidosos da cidade).
Com uma decisão sem desculpa, a Sociedade 2001 desconhece todos
os arquitectos portugueses que se apresentaram ao
concurso e somente aceita ou convida? sete arquitectos estrangeiros,
dando assim uma prova de desconfiança da
capacidade dos nacionais para a tarefa! E como programa, copia «ipsis
verbis» o que estabeleci para o meu Palácio da Música
e também o limite do seu custo 3 milhões de contos.
Mas o concurso saiu furado, pois das sete equipas convidadas ou admitidas
somente três se apresentaram e foi então
seleccionado o projecto de Rem Koolhaas, holandês. Como é
de regra de qualquer país civilizado, seria de promover uma
exposição dos três trabalhos, dando a conhecer
o resultado à população portuense. Mas nada disso
aconteceu:
O secretismo da Sociedade 2001, depois do insucesso do concurso, que
foi muito mal equacionado e com um prazo de
entrega insuficiente, levou a não elucidar a cidade do que se
pretendia construir e foi através da publicação do
projecto de Rem
Koolhaas no jornal da Ordem dos Arquitectos que pude avaliar o que
a Sociedade Porto 2001 tinha aprovado.
É uma arquitectura que parte de um sólido informal onde
são «ad libitum» introduzidas as várias peças
solicitadas no programa,
encafuadas de modo que parece desordenado a encostar ou dilatar as
paredes do sólido, que darão em definitivo a forma e
volume do edifício.
Este é um processo que em Arquitectura consideramos errado, porque
as peças que compõem um edifício devem ser
criteriosamente dispostas, tendo em vista a organização
dos espaços e a sua interligação, e daqui resultando
uma configuração
harmoniosa que acusa a hierarquia das peças que compõem
o seu todo.
Verifiquei que o edifício não seria um cristal, como o
classificou o ministro Carrilho, nem um meteorito e nunca um ícone,
como
também foi admitido, mas sim um monstro de betão de 40
metros de altura em frente do monumento da Guerra Peninsular do
Arquitecto Marques da Silva, a contrastar com a cércea dos edifícios
mais altos 21 metros da Rotunda da Boavista.
Para ser mais explícito, a altura de um edifício de habitação de 13 andares.
Uma arquitectura desumanizada, indiferente à escala humana.
Agora, perante um projecto sem quaisquer qualidades, implantado num
terreno impróprio para receber uma peça da
importância da Casa da Música, entendo que se deveria
elucidar convenientemente a população da nossa cidade e promover
um referendo, de modo a permitir que os portuenses se pronunciem, uma
vez que já não estão em ditadura e as populações
têm o direito de serem ouvidas.
Não se pode atabalhoadamente construir um edifício que
não é mais do que um monstro de betão, que ainda não
saiu do solo,
um monstro intimidante.
A Casa da Música ou o Palácio da Música que fique também para os vindouros e de que nos possamos orgulhar.
Recebi já muitos apoios de arquitectos, de engenheiros e outros.
O arquitecto Siza Vieira já declarou que o edifício «arrasa»
a
praça da Rotunda da Boavista.
Da faculdade de Engenharia, os engenheiros da área da Acústica
reprovam a sua construção e também a Escola das
Artes da Universidade Católica entende que o edifício
de Koolhaas é profundamente desestabilizador e sem qualquer espécie
de relação com o local.
A faculdade de Arquitectura não aplaude nem reprova...
Entendo que é necessário travar o processo.
A insistir em prosseguir as obras, certamente a população
do Porto responsabilizará a Sociedade Porto 2001 pelos maus
serviços prestados à cidade.
E razão suprema: a Casa da Música está já
muito além do «plafond» de custo defendido pela Sociedade
Porto 2001, três
milhões e duzentos e cinquenta mil contos se for construída
atingirá os 12 a 15 milhões de contos.